Olho ao redor.
Deparo-me com o imenso vazio que é a minha mente. Nesse [mesmo] vazio, procuro incansavelmente.
"O quê?", pergunto-me
“Mas o que procuro?”. Sei a resposta. Mas preciso de a dizer (para interiorizar, para admitir).
Sussurro-a. Não é o suficiente.
Volto a sussurrar, continua a não ser suficiente.
Falo-a. Continua a ser insuficiente.
Grito-a. Já se ouve um murmúrio lá bem no fundo. Respiro fundo.
Grito-a ainda mais alto. Percebem-se algumas palavras, mas não o suficiente para me fazer entender. Inspiro profundamente, novamente.
GRITO. É o suficiente.
Já me fiz ouvir.
Mas afinal, pergunto a mim mesma, quero-me fazer ouvir para quem? Ninguém está na audiência a assistir.
Estou sozinha no imenso vazio que me envolve. Sempre estive. Sempre envolveu.
Fecho os olhos e concentro-me; espreito para a audiência, com os olhos entreabertos.
Continuo sozinha. Volto a fechá-los, mas desta vez, por completo.
Espero. “Ainda não”, sussurrou-me uma voz calma e doce ao ouvido. Era uma voz estranha, mas ao mesmo tempo familiar; dava a impressão de que me conhecia profundamente, como ninguém.
Continuo a esperar. “Só mais um bocadinho”, tornou a voz a dizer-me. A espera torna-se longa. Fico impaciente. Estou cansada. “Já podes abrir”
Abro os olhos. Algo mudou. Tenho audiência. Volto a gritar. Desta vez faz sentido. Após o grito, começo a sentir a mudança a surgir no meu íntimo. Apercebo-me de que a audiência era eu mesma; era eu que estava fechada dentro de mim e que ainda não tinha acordado para a minha realidade, para o que realmente sou, para o que sempre senti…
Doía ter de admitir o que sentia, por isso, prendi o grito cá dentro, numa imensa agonia. Não fui capaz. Não o consegui conter mais. Soltei-o.
Agora, consigo dizer para mim mesma o que sinto. Consigo sobretudo entender. Mas ainda não a consegui admitir por completo.
Elaboro um plano para poder admitir a resposta gritada. Penso nos utensílios necessários. “Mas quais serão?”, pergunto-me. Acalmo-me. Sento-me num tronco, envolta em brumas. As brumas não me invadiram o pensamento desta vez. Consigo pensar. Penso. Já sei. Enumero num pergaminho o que necessito: calma, coragem, determinação, sinceridade. “Faltará algo?”, “Sim”, retornou a voz. “Mas o quê?”, pergunto-lhe. “Falta o sentimento”, “Mas que sentimento?”, “Aquele que estava na audiência, aquele que te fez chegar até aqui, que te fez quebrar barreiras, o que te retirou da tua concha, o que te trouxe de volta para a vida, o que foi mais forte que tu mesma e te fez soltar o grito, aquele que te mostrou o verdadeiro sentido da existência e, acima de tudo, da tua própria vida! Aquele que te mostrou porque tudo vale a pena, desde as mais pequenas coisas até às maiores loucuras…”, “Mas que sentimento é esse?”, “Ainda não o denominaste?”, “Não”, digo hesitante. “Então, como o queres admitir? Porque te escondes da resposta?”, “Porque é como uma pequena ferida profunda que custa a sarar. E cada vez que a procuro, para a poder curar, dói, dói imensamente”, “Tens a certeza?”, “Penso que sim, pois já percorri o mundo, já vasculhei todos os recantos, até os do meu ser, e nada; não consigo encontrar uma palavra que consiga expressar o que sinto. Sabes qual é?”, “Claro”, “Então porque não ma dizes?”, “Terás de ser tu a encontrá-la. Tens tudo o que necessitas para a encontrares”.
Dito isto, a voz partiu. Abandonou-me, deixou-me à deriva e entregue, novamente, a esta demanda.
Parto, mais uma vez, à procura da tal palavra mistério. Percorri montanhas, rios, mares, planícies, desertos, contactei com todo o tipo de culturas, e cada vez que perguntava a alguém qual era a tal palavra, sempre na esperança de a encontrar. Todos se riam. Eu pensava: serei tão ignorante, tão insensível ao ponto de não saber a palavra?
Olho o mar. Noto a sua transparência, o seu movimento calmo e sossegado…parece que responde às minhas dúvidas; parece que ele sim, guarda a resposta da minha demanda.
Nesse momento, compreendo finalmente o sentimento que surgiu e permanecia, até então, dentro de mim.
A tal resposta, a tal palavra-chave surge. Fico feliz.
Grito-a bem alto para a imensidão do mar. Finalmente compreendo-me.
O pôr-do-sol invade o horizonte, assim como um sentimento de alívio invade a minha mente.
Continuo com os olhos fechados.
A voz aparece e pergunta: “Então? Foi difícil?” "Não", respondo. Apercebo-me que a voz era simplesmente a minha mente a falar comigo. Era a outra parte de mim que sabia exactamente o que se passava comigo, a tentar acordar a outra metade.
Sinto alguém a aproximar-se. De repente, sinto alguém a envolver-me nos seus braços, num abraço forte e acolhedor. Sinto-me protegida.
Afinal, tudo não passava de uma miragem, de um sonho…
Acordo sobressaltada...