28 fevereiro 2009


"Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,
do meu cabelo e até da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.

Todavia, seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou matar uma freira com um soco na orelha.
Seria belo
ir pelas ruas com uma faca verde
e aos gritos até morrer de frio.

Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,
com fúria e esquecimento,
passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,
e pátios onde há roupa pendurada num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sórdidas
. "


Pablo Neruda

O que há em mim é sobretudo cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos

16 fevereiro 2009

11 fevereiro 2009

Cântico Negro


" (...)
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí! "


"Cântico Negro" - José Régio

08 fevereiro 2009


"Neste infinito fim que nos alcançou
guardo uma lágrima vinda do fundo
guardo um sorriso virado para o mundo
guardo um sonho que nunca chegou

Na minha casa de paredes caídas
penduro espelhos cor de prata
guardo reflexos do canto que mata
guardo uma arca de rimas perdidas

Na praia deserta dos dias que passam
Falo ao mar de coisas que vi
Falo ao mar do que conheci...

No mundo onde tudo parece estar certo
guardo os defeitos que me atam ao chão
guardo muralhas feitas de cartão
guardo um olhar que parecia tão perto

Para o país do esquecer o nunca nascido
levo a espada e a armadura de ferro
levo o escudo e o cavalo negro
levo-te a ti... levo-te a ti para sempre comigo...

Na praia deserta dos dias que passam
Falo ao mar de coisas que senti
Falo ao mar do que nunca perdi.
"



'Fim' - Tiago Bettencourt

04 fevereiro 2009

Chuva de Saudade



Ouço a chuva cair lá fora
Assumo-me à janela para a ver cair
Ouço e vejo-a embater no vidro
Observo a efemeridade de cada gota que cai
Que cai e renasce num charco
Provocando circulos contínuos
Que percorrem desde o centro até à periferia

Destino certo.
Determinado.
Conhecido.

Permaneço do lado de dentro
Escondida apenas pelo vidro
Quero que me proteja
Mas é fragil...

...como eu.

Deixa chuva entrar
Chuva que me cai na cabeça,
No rosto,
Descendo e percorrendo todo o meu corpo

Fico com medo
Não sei o que se passa
A chuva confunde-se com o meu sentimento
Que se manifesta em gotas
Fiéis à gravidade...

Sinto a cabeça em água
Chove constantemente na minh'alma

Não sei o que me espera no fim da tempestade
Mas já sinto saudades
Do futuro que não conheço.
Deixai-o vir!

Ana Raquel Joaquim

02 fevereiro 2009

Por falar em mudanças...




"A transformação do mundo não depende de um 'se', mas sim de um 'ser' e 'fazer' "